NOSSA SENHORA “ASSUSTADORA”

Longe de mim ferir a fé de alguém ou escandalizar, mas meu amor a Nossa Senhora e mariano que sou, não posso deixar de manifestar o que tenho sentido, ao ver certas publicações e afirmações de católicos que, para venerarem Maria, deturpam a sua imagem e suas mensagens, muitas vezes submetendo-a a um fanatismo pessoal ou de grupo, desconhecendo o que a Igreja, nestes dois mil anos falou sobre ela, sobretudo no Concílio Vaticano II e pós Concilio, como a Exortação Apostólica “Marialis Cultus” de São Paulo VI e a Carta Encíclica “Redemptoris Mater” de São João Paulo II. Perdoem-me, mas a forma que apresentam Maria, a ela eu daria o título de: Nossa Senhora “Assustadora”!

A Igreja Católica sempre honrou Maria e a ela presta o culto de hiperdulia (veneração especial). Temos uma oração a ela que data do final do séc. II: “A Vossa proteção recorremos Santa Mãe de Deus…”. Os seus dogmas: Mãe de Deus, Perpétua Virgindade, Imaculada Conceição e Assunção ao Céu em Corpo e Alma, aprofundam teologicamente e pastoralmente o seu papel e sua importância na história da salvação. O Rosário, a Coroa das Sete Dores, o Angelus, a Regina Caeli, são orações e devoções que expressam o amor, o carinho, a gratidão e o respeito à Aquela que gerou o Salvador da humanidade e que alegremente chamamos de Mãe!

Patrona especial de todos países, Maria é padroeira da grande maioria das nossas Igrejas. Os títulos dados a ela somam milhares; nós católicos cremos na sua presença maternal em todos os momentos da vida e na sua especial intercessão, acima da intercessão de todos os santos, porque ela é a Mãe de Jesus humano e divino, por isso Mãe de Deus, que por um pedido do Filho nos assumiu aos pés da cruz, como filhos seus.

Ao longo desses dois mil anos de Cristianismo, centenas de “aparições” são narradas em várias partes do mundo, que na sua maioria não devemos dar crédito: 1. Porque se tratam de revelações particulares e não de verdades reveladas, como a Bíblia Sagrada, assim ninguém está obrigado a acreditar. 2. Na sua maioria trata-se de “videntes” com problemas psíquicos, o que seriam projeções do inconsciente. 3. Mensagens que contradizem aquela anunciada por Jesus Cristo. 4. Porque beneficiam alguns grupos, na sua maioria fundamentalistas, que não aceitam as decisões do Concílio Vaticano II e que negam o ministério petrino do Papa Francisco.

O título de Nossa Senhora “Assustadora” se deve ao fato de que, estão trazendo mensagens de Nossa Senhora, em aparições não aprovadas pela Igreja, desconhecidas da grande maioria dos católicos, sem nenhum critério, como que obrigando as pessoas a acreditarem e a rezarem tais orações sob o perigo de receberem “castigos” divinos. Orações mágicas, que salvarão o Brasil e a humanidade de catástrofes, quando o Salvador Jesus, nem é citado. Mensagens apocalípticas prevendo desgraças, que revelam a “ira” do Senhor contra seu povo, como se Deus tivesse arrependido de ter criado o ser humano.

E o que dizer, desculpem-me, do uso de correntes, para agradar Nossa Senhora, quando a consagração passa pela entrega do coração e da vida a Jesus, por meio de Maria e não de objetos externos… correntes, escravo… “Já não somos escravos, mas filhos (…), É para a liberdade que Cristo nos libertou. Portanto, permaneçam firmes e não se deixem submeter novamente a um jugo de escravidão” (Gl 4,7; 5,1). “Não recebestes um espírito de escravidão para viverdes ainda no temor, mas recebestes o espírito de adoção pelo qual clamamos: Aba! Pai!” (Rm 8,15). E “Maria disse: Eis aqui a serva do Senhor…” (Lc 1,38). O escravo obedece cegamente e tristemente, o servo, obedece alegremente. Maria nunca foi escrava de Deus, mas serva, e ela repetiu duas vezes este título (Lc 1,30.48).

Nossa Senhora das Mercês, traz a corrente nas mãos quebradas, Nossa Senhora Desatadora dos Nós, desata os nós, como oferecer a Maria correntes e cadeados? Usar uma medalha de Nossa Senhora, carregar o Rosário consigo, levar sobre o corpo o escapulário de Nossa Senhora do Carmo, tudo isso é salutar e aprovado pela Igreja; outras invenções, deturpam o próprio evangelho. O anjo iniciou a saudação a Maria, pedindo: “Não tenhas medo, Maria!” (Lc 1,30), agora é Maria que vem a terra para nos assustar e nos levar a viver a religião do medo?

Maria, apresentada dessa forma, assusta, se tornando uma devoção do terror, da obrigação e não do amor e da liberdade. Uma imagem, totalmente contrária a Maria dos evangelhos, como por exemplo, aquela que cantou o Magnificat e profetizou que a misericórdia de Deus se estenderia de geração em geração sobre as pessoas; aquela que não ameaçou os noivos em Caná, por terem esbanjado o vinho ainda no início da festa, mas adiantou a “hora” do Filho e o milagre se deu em perfeita harmonia. Aquela que afagava o Filho quando criança e o afagou morto nos braços; aquela que se uniu ás mulheres na subida do Calvário; permaneceu silenciosa ao lado da cruz, perdoando os assassinos do Filho… Quantas imagens bonitas, ternas e de proximidade os evangelhos nos apresentam de Maria. Quantas imagens assustadoras de Nossa Senhora em nossos dias, que os menos informados divulgam…

Precisamos sim de conversão, de uma volta à oração, à penitência, ao amor a Deus e ao próximo. Precisamos viver nosso batismo com radicalidade, testemunhar nossa fé com alegria, precisamos ser fiéis aos mandamentos da lei de Deus, ao evangelho de Jesus Cristo, aos mandamentos da Igreja… Ainda não somos santos, temos caído muito e nem sempre nos levantamos, mas confiantes na misericórdia divina caminhamos… o sacramento da confissão tem sido a grande experiência do recomeço. Ainda somos filhos desobedientes, precisamos imitar as virtudes da nossa querida Mãe, “permanecer na sua escola” (Bento XVI), mas sabemos da sua paciência para conosco e chegaremos lá!

Iniciei este artigo, pedindo desculpas se ofendi alguém, mas em defesa daquela que busco conservar uma bela e rica imagem no coração e na alma, ensinada pela minha mãe biológica e pela minha mãe Igreja, não posso permanecer calado. Que Maria “aquela que caminha com delicadeza e ternura de mãe, que se fez acolher na vida familiar, que desata um ou outro nó dos muitos erros cometidos pela humanidade, e que nos ensina a permanecer de pé no meio das tormentas” (Papa Francisco), nos ensine a amar e a servir com gratuidade e alegria, o seu Filho, vivendo a religião da graça e do mistério e não da mágica e do medo. Amém!

Dom Amilton Manoel da Silva, CP